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Retomada de Investimentos em Startups: Tendências de Mercado e Aspectos Gerais de Venture Capital

Retomada de Investimentos em Startups Tendências de Mercado e Aspectos Gerais de Venture Capital

Ecossistema brasileiro

 

O venture capital consolidou-se como um dos principais mecanismos globais de fomento à inovação, tecnologia e empreendedorismo, especialmente voltado a startups e outras entidades inovadoras e que apresentam considerável potencial de escalabilidade.

 

No Brasil, o ecossistema de venture capital passou por um amadurecimento acelerado durante e logo após a pandemia de Covid-19, período em que se observou expressivo crescimento em captações de recursos realizadas por startups, de acordo com as 5ª e 6ª edições do mapeamento anual de ecossistemas de startups feito pela Associação Brasileira de Startups (“Abrastartups“), em parceria com a Deloitte Touche Tohmatsu Limited, respectivamente referentes aos anos de 2022 e 2023. A partir de 2022, o mercado, como um todo, entrou em uma fase de retração, com queda significativa no volume dessas operações, fenômeno que também foi refletido na 5ª edição do mapeamento anual de ecossistemas de startups[1]. Apesar disso, mapeamento mais recente feito pela Abrastartups, em referência ao ano de 2024[2], indica que o interesse e o nível de preparo das startups para captar investimentos seguem elevados, sinalizando uma possível retomada de fôlego no ecossistema.

 

Na mesma linha, a ascensão de tecnologias disruptivas, especialmente aquelas ligadas à inteligência artificial generativa e aplicada a processos de negócios, recolocou o venture capital no centro dos debates estratégicos, tanto no Brasil quanto no exterior. Como resultado, observa-se um aumento nas transações voltadas a esses temas, com fundos de investimento especializados e investidores estratégicos voltando a alocar capital em startups de base tecnológica, com destaque para os setores de inteligência artificial, cibersegurança, life sciences, fintechs e climate tech, refletindo não apenas a busca por retorno financeiro, mas também a transformação estrutural de diversos setores da economia nacional. O aumento do volume de transações pôde ser observado em estudos recentes sobre os dados das indústrias de Private Equity e Venture Capital brasileiras, referentes ao 3º trimestre de 2025, realizados pela Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital – ABVCAP, em parceria com a Transactional Track Record – TTR Data[3].

 

A legislação brasileira voltada à inovação e ao empreendedorismo vem sendo gradualmente desenvolvida e consolidada à medida que o ecossistema nacional amadurece. O acelerado avanço tecnológico, por sua vez, impõe a necessidade de novos arranjos jurídicos capazes de lidar com questões emergentes, o que evidencia lacunas normativas e impulsiona novas discussões jurídicas. Um marco relevante nesse processo foi a promulgação da Lei Complementar n.º 182/2021, conhecida como Marco Legal das Startups (“Marco Legal das Startups“), que, dentre outros pontos relevantes, estabeleceu critérios objetivos para o enquadramento de uma empresa como startup[4]. Esse enquadramento tem implicações significativas tanto no acesso a mecanismos de fomento quanto na participação em processos regulatórios e programas públicos voltados à inovação, conforme estabelecido no próprio Marco Legal das Startups e em outras normas relacionadas ao tema.

 

Além disso, o Marco Legal das Startups introduziu avanços relevantes no que se refere à contratação pública de soluções inovadoras, bem como na regulamentação de investimentos por meio de ambientes regulatórios experimentais (os chamados sandboxes regulatórios), em colaboração com órgãos como a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM“), o Banco Central do Brasil e a Superintendência de Seguros Privados – SUSEP.

 

Etapas de maturação das startups e o ciclo de investimentos

 

Compreender o estágio de desenvolvimento em que uma startup se encontra é fundamental para a definição do tipo de investimento e estrutura transacional mais adequados. Essa identificação permite não apenas a escolha mais assertiva do tipo de investimento de investimento a ser realizado, mas também a análise da matriz de risco a ele associada e a estimativa do valor do ticket. Em linhas gerais, quanto mais incipiente for a startup, menor é sua validação de mercado e, portanto, maior será o risco percebido pelo investidor, o que costumam atrair aportes de menor valor. Por outro lado, startups em estágios mais avançados oferecem maior previsibilidade e segurança, o que tende a atrair investimentos mais robustos, com maior ticket médio e menor percepção de risco.

 

Apesar de as classificações de estágio nem sempre serem objetivas, o ciclo de vida de uma startup é comumente dividido nas seguintes fases:

 

  • Ideação – Fase inicial de formulação da ideia ou conceito do produto ou serviço desenvolvido pela startup, geralmente financiada com recursos próprios ou de fontes informais, como familiares e amigos (conhecidos, na prática de mercado, como friends, family and fools – FFF).
  • Early Stage – Etapa de validação do produto ou serviço e início da tração comercial. É caracterizada por rodadas de investimento seed ou Series A, com participação de investidores-anjo, fundos de capital semente e aceleradoras.
  • Growth Stage – Fase de consolidação do modelo de negócio e expansão de mercado. Os aportes, neste estágio, costumam ocorrer por meio de rodadas institucionais (Series B e C), com participação de fundos de venture capital mais estruturados.
  • Late Stage – Estágio de maturidade e preparação para liquidez, por meio de uma oferta pública inicial de ações (IPO), regida pela Lei n.º 6.404/1976 (“Lei das Sociedades por Ações“) e pela Resolução CVM n.º 160/2022, ou por operações de fusões e aquisições (M&A).
  •  

    Além do estágio de desenvolvimento, outros fatores são igualmente relevantes na análise e estruturação de uma rodada de investimento. Entre eles, destacam-se, por exemplo, a necessidade de preservação do controle societário pelos fundadores, o grau de maturidade institucional da empresa e a visibilidade quanto à estabilidade do negócio no curto e médio prazo.

     

    Principais instrumentos

     

    A definição do instrumento jurídico a ser utilizado em uma rodada de captação está diretamente condicionada a diversos fatores, incluindo o estágio de desenvolvimento da startup, o perfil do investimento pretendido e as características particulares ao investimento e ao investidor (e.g., a origem (nacional ou estrangeira), o apetite ao risco e o horizonte de retorno esperado). Além disso, o tipo de investimento a ser captado (i.e., se de dívida, híbrido ou de participação societária direta) também influencia decisivamente essa escolha.

     

    O mercado dispõe de uma ampla gama de instrumentos jurídicos, tanto nacionais quanto estrangeiros, para formalizar os termos e condições das operações. Em rodadas que envolvem investidores internacionais, é comum a adoção de estruturas jurídicas estrangeiras (como o uso de veículos estrangeiros ou contratos regidos por outras jurisdições), o que exige atenção redobrada quanto à compatibilidade com o ordenamento jurídico brasileiro e à necessidade de assessoria jurídica local especializada.

     

    Entre os principais instrumentos utilizados em operações de investimento em startups no Brasil, destacam-se (i) os acordos de investimento e/ou compra e venda direta de participação societária; (ii) mútuo conversível em participação societária; (iii) debêntures conversíveis em participação societária; (iv) instrumentos simplificados (e.g., SAFE e KISS); e (v) contrato de participação. Cada um desses instrumentos apresenta características próprias e deve ser escolhido com base no estágio da empresa, nos objetivos do investimento e na relação entre os envolvidos.

     

    Segundo o mapeamento de ecossistemas feito pela Abrastartups, até dezembro de 2024 os instrumentos conversíveis seguiram sendo os mais utilizados nas rodadas de investimento de startups. A principal vantagem desse modelo está na flexibilidade que oferece, ao permitir postergar a entrada formal do investidor no quadro societário da empresa, o que, por sua vez, pode adiar discussões sensíveis como valuation e estrutura societária. Essa característica torna os instrumentos conversíveis especialmente interessantes para startups em estágios iniciais (em fase de ideação ou pré-operação) quando ainda há muitas incertezas sobre o modelo de negócio, projeções financeiras e valuation. Apesar da praticidade, o uso de instrumentos conversíveis exige atenção redobrada aos riscos fiscais e societários envolvidos, que devem ser avaliados caso a caso.

     

    Outro modelo que tem ganhado espaço no Brasil é o de utilização de instrumentos contratuais inspirados em modelos estrangeiros de investimento simplificado, adaptados ao ambiente local. Um exemplo é o SAFE (Simple Agreement for Future Equity), criado pela aceleradora norte-americana Y Combinator. Esse tipo de contrato busca oferecer uma estrutura mais simples para viabilizar a aquisição futura de participação societária pelo investidor. Diferentemente do mútuo conversível, o SAFE não possui natureza de dívida, o que significa que cláusulas como vencimento, juros e obrigatoriedade de pagamento são, em geral, dispensadas. O foco está na expectativa de conversão do aporte em participação societária, a ser realizada em um evento futuro (como uma nova rodada de investimento ou um evento de liquidez), sendo bastante comum a previsão das seguintes cláusulas: (i) Valuation Cap (teto de valuation para conversão); (ii) Discount Rate (desconto aplicado no valuation futuro); (iii) Antidiluição (full ratchet ou weighted average); e (iv) MFN – Most Favored Nation, que garante ao investidor termos tão vantajosos quanto os de rodadas futuras.

     

    Por fim, nos estágios mais avançados da startup (i.e., quando a empresa já alcançou certo grau de consolidação e estabilidade de seu valuation e estrutura societária), é mais comum identificarmos situações em que o investimento seja realizado por meio da compra direta de participação societária. Nesses casos, o investidor ingressa formalmente no capital social da empresa, por meio de um acordo de investimento ou de compra e venda de quotas ou ações. Esse tipo de operação costuma vir acompanhado de uma análise mais robusta da empresa (due diligence), acordos de governança e previsões contratuais mais detalhadas (incluindo mecanismos de declarações e garantias e indenização), refletindo o maior nível de maturidade da startup e a sofisticação do investimento.

     

    Auditoria jurídica e preparação para investimento

     

    A auditoria é indispensável em qualquer rodada significativa de venture capital, sobretudo considerando a potencial exposição de risco intrínseca a investidas em estágio inicial. Porém, há certas particularidades das startups que podem representar desafios adicionais às auditorias jurídicas (e.g., especificidade do objeto auditado e ausência de regulamentação legal), contábil e financeira (e.g., entidades em estágios iniciais podem não ter informações ou documentos suficientes para atribuição de seu valor de mercado).

     

    O processo de auditoria deve sempre considerar as especificidades de cada operação, mas há certos pontos de atenção que costumam aparecer em maior frequência, sendo:

     

    Área Principais aspectos analisados
    Societário regularidade de livros societários, capital social, acordos de sócios e vesting agreements.
    Contratos Comerciais identificação de contratos relevantes; exame de cláusulas de exclusividade e non-compete.
    Trabalhista e Previdenciário análise de vínculos da sociedade investida com fundadores, colaboradores e prestadores de serviço.
    Propriedade Intelectual titularidade de marcas, patentes e códigos de software.
    Tributário passivos fiscais e benefícios, incluindo regimes especiais;
    Proteção de Dados conformidade com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei n.º 13.709/2018).

     

    Para a startup, a organização documental e contábil é elemento essencial para atrair investidores. Para o investidor, a análise crítica dos relatórios e a sugestão de boas práticas de governança são etapas que reduzem riscos e aumentam a previsibilidade da operação.

    Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.

     

    [1] ABSTARTUPS. Mapeamento do ecossistema brasileiro de startups: 2022. São Paulo: Abstartups, 2022. 37 p. Disponível em: https://www.aasp.org.br/wp-content/uploads/2024/01/Mapeamento-de-Startups-Brasil-2022.pdf. Acesso em: 03 nov. 2025.
    [2] ABSTARTUPS. Mapeamento do Ecossistema Brasileiro de Startups 2024. São Paulo: Abstartups, 2024. Disponível em: https://abstartups.com.br/wp-content/uploads/2024/11/Mapeamento-do-Ecossistema-Brasileiro-de-Startups-2024.pdf Acesso em: 03 nov. 2025.
    [3] ABVCAP; TTR Data. TTR Data Report – 3º Trimestre de 2025. São Paulo: ABVCAP/TTR Data, 2025. Disponível em: https://abvcap.com.br/wp-content/uploads/2025/10/abvcap-ttrdata-report-3q-2025.pdf . Acesso em: 03 nov. 2025.
    [4] Para ser enquadrada como startup nos termos do Marco Legal das Startups, a entidade deve atender, cumulativamente, aos seguintes requisitos: (i) receita bruta anual de até R$ 16 milhões no exercício anterior; (ii) até 10 anos de inscrição no CNPJ; e (iii) desenvolvimento de modelos de negócios inovadores.


       

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