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Noções Gerais sobre Títulos de Crédito

Noções Gerais sobre Títulos de Crédito

Os títulos de crédito constituem instrumentos fundamentais para a circulação do crédito e mobilização de riquezas, desempenhando papel central nas operações comerciais modernas. Com origem histórica vinculada ao desenvolvimento do comércio e à expansão das relações mercantis, sua estrutura normativa foi sendo aperfeiçoada para conferir maior segurança, agilidade e confiabilidade às transações.

 

Fundamentos econômicos e históricos

 

No plano econômico, o crédito corresponde à permissão para uso de capital alheio, tendo como elementos essenciais a confiança e o tempo. Desde o Direito Romano, passando pela Idade Média e alcançando a Revolução Industrial, o aperfeiçoamento dos instrumentos de crédito acompanhou a necessidade de estimular a atividade produtiva por meio da antecipação de receitas futuras.

 

Princípios estruturantes

 

A doutrina clássica de Vivante identifica três elementos fundamentais nos títulos de crédito:

 

  • Cartularidade: o direito incorporado ao título depende da posse do documento.
  • Literalidade: os direitos e obrigações decorrem exclusivamente do que está redigido no título.
  • Autonomia: cada obrigação é independente das demais, conferindo segurança jurídica à circulação.
  •  

    Direito Cambiário e Legislação Aplicável

     

    O direito cambiário é um ramo do direito comercial que regula os títulos de crédito, como cheques, notas promissórias e letras de câmbio. Ele estabelece as normas que governam a emissão, circulação, garantia e pagamento desses títulos, incluindo regras sobre endosso, aval, protesto e execução dos títulos de crédito garantindo a segurança das transações comerciais.

     

    Principais bases normativas do direito cambiário:

     

  • Lei Uniforme de Genebra (Decreto n.º 57.663/1966)
  • Lei das Duplicatas (Lei n.º 5.474/1968)
  • Lei do Cheque (Lei n.º 7.357/1985)
  • Código Civil (Lei n.º 10.406/2002)
  •  

    O Decreto n.º 57.663, de 24 de janeiro de 1966, é um decreto que promulga as Convenções para a adoção de uma Lei Uniforme em matéria de letras de câmbio e notas promissórias. Este decreto oficializa a adoção da Lei Uniforme de Genebra (LUG) no Brasil, que visa uniformizar a legislação sobre esses títulos em diversos países.

     

    Mas por que uma Lei Uniforme? Cada país possui características próprias em sua economia e em seus bens de produção: alguns cultivam soja, outros milho, outros exploram petróleo, e assim por diante. Nesse cenário de diversidade, surgiu a necessidade de uma norma comum. A Lei Uniforme de Genebra (LUG), de 1930, foi concebida justamente nesse contexto de rápido desenvolvimento do comércio internacional, em que os Estados precisavam trocar seus produtos. O problema é que, ao manterem legislações distintas, as relações comerciais ficavam mais complexas e cheias de obstáculos.

     

    A LUG, promulgada pelo Decreto n.º 57.663 de 1966, é um conjunto de regras que padroniza as normas para contratos de compra e venda internacional, buscando estabelecer diretrizes justas e equilibradas para todas as partes envolvidas, independentemente do país onde ocorra a transação.

     

    Principais Objetivos:

     

  • evitar as dificuldades originadas pela diversidade de legislação nos vários países em que as letras circulam;
  • uniformizar a legislação acerca de letras de câmbio e notas promissórias, como documentos utilizados para a efetivação de pagamento de bens e serviços;
  • aumentar assim a segurança e rapidez das relações do comércio internacional;
  • mediante a concessão por cada Estado para que se chegasse a um denominador comum.
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    E o Código Civil, onde fica?

     

    O Código Civil de 2002, embora trate dos títulos de crédito, não revogou essa legislação especial da LUG. Seu papel é supletivo: aplica-se apenas quando não houver norma específica. O Código Civil visa tanto a regular os títulos atípicos quanto a estabelecer uma teoria geral dos títulos de crédito, subsidiando a legislação especial existente.

     

    Principais Atos Cambiários

     

    Aceite: ato próprio das letras de câmbio. Representa declaração cambiária facultativa, eventual e sucessiva pelo qual o sacado acata e aceita a ordem de pagamento que lhe é dada pelo sacador e, consequentemente, confessa dever a quantia mencionada na letra como líquida e certa, prometendo pagá-la no vencimento, ao tomador ou a outrem à sua ordem, assumindo a posição de devedor principal e direto.

     

    Endosso: meio próprio de transferência dos títulos de crédito à ordem, efetuada pela assinatura de seu proprietário, lançada no verso ou dorso do documento. O endosso é ato exclusivamente cambiário, só tendo como objeto o título de crédito. Pode ser feito, ainda, na frente ou anverso do título; neste caso, é obrigatória a identificação do ato praticado, não podendo apenas o endossante assinar o título sob pena de ser confundido com o emitente ou o avalista. A lei considera como nulo o endosso parcial –, pelo princípio da cartularidade, não se pode fracionar o crédito contido em um título. Não basta o endosso para que se aperfeiçoe a transferência dos direitos do título, sendo necessária a efetiva tradição do documento.

     

    Outros meios de transferência dos títulos de crédito: o endosso não é o único meio para operar a transferência dos títulos de crédito, podendo ocorrer por outros meios lícitos, como a sucessão hereditária, testamento e operações societárias (incorporação, fusão e cisão), e ainda por meio de cessão civil de crédito, regulado pelo direito comum (CC arts. 286 a 298), e que pode ser formalizada em documento separado do título. A cessão de crédito é desvantajosa para o adquirente, comparando-se com o endosso, pois (i) fica vulnerável às exceções extracartulares que possam ser opostas pelo devedor, (ii) diminui a sua garantia de pagamento pois, salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor, garantindo apenas a existência do crédito ao tempo da transferência.

     

    Aval: Aval é uma garantia de pagamento dada por terceiro. É um ato cambial, em que uma pessoa, chamada de avalista, garante o pagamento de um título de crédito a favor do avalizado, que pode ser o devedor principal do título ou um coobrigado. O aval nasce da simples inserção da assinatura do avalista no anverso do título de crédito, acompanhado ou não da expressão por aval ou equivalente. Pela grade do aval, os avalistas, embora distintos, equiparam-se ao avalizado, isoladamente responsáveis pelo pagamento. É instituto exclusivo do direito cambiário e só pode ser lançado em título de crédito, por força do princípio da literalidade.

     

    Similarmente ao que ocorre na fiança e no aval, o avalista se obriga pelo avalizado, assim como o fiador pelo afiançado, comprometendo-se a satisfazer, no todo ou em parte, a obrigação caso o devedor principal não a cumpra. Existem, contudo, profundas diferenças entre o aval e a fiança, como se pode verificar pelo quadro a seguir.

     

    Aval Fiança
    É um ato unilateral de vontade É um contrato
    Como obrigação cambiária, é principal e independente, apesar de ser formalmente um ato de adesão Como obrigação civil, é secundária e subordinada, não se admitindo sem a obrigação principal
    Há duas obrigações autônomas, com dois devedores Existe uma obrigação, com dois devedores
    Obrigação do avalista é principal sempre Obrigação acessória (salvo se engajar-se como principal pagador)
    Não há meio de substituição do avalista Pode o credor pleitear que seja substituído o fiador tornado insolvente
    Como obrigação de índole cambial, não admite delongas na prestação do avalista Como obrigação civil, admite os benefícios de excussão e de divisão, por não haver solidariedade do fiador com o devedor
    Prestado em caráter objetivo e só se atem ao valor Prestada em caráter subjetivo e mira a pessoa
    Só pode ser dado no próprio título Pode ser dado num documento em separado
    Só incide sobre obrigações líquidas Dívidas ilíquidas podem ser objeto de fiança
    O avalista não pode apresentar as exceções do avalizado Por ser obrigação subordinada, o fiador pode opor exceções pessoais do afiançado
    O aval não se detém para apreciar a condição da obrigação avalizada, mesmo em face da falsidade ou de nulidade de qualquer outra assinatura aposta no título As obrigações nulas não são cobertas pela fiança
    A obrigação do avalista subsiste independentemente de continuar ou não a do avalizado O fiador fica liberado se a obrigação principal se extingue por motivos pessoais do devedor

     

    Discussões atuais

     

    Títulos de crédito e valores mobiliários

     

    De modo geral, pode-se afirmar que os valores mobiliários reúnem os requisitos essenciais dos títulos de crédito — cartularidade, literalidade e autonomia. Por essa razão, em um primeiro momento, a doutrina chegou a enquadrá-los na disciplina dos títulos de crédito.

     

    Com a edição da Lei n.º 6.385, de 7 de dezembro de 1976, e sua posterior alteração pela Lei n.º 10.303, de 31 de outubro de 2001, os valores mobiliários passaram a dispor de regime jurídico próprio. Ainda que possuam características e funções semelhantes aos títulos de crédito, como garantir a circulabilidade de riquezas, nem todo valor mobiliário pode ser considerado um título de crédito, por não dispor de seus elementos essenciais.  Um exemplo são as ações nominativas, que não exigem a posse de documento físico e podem ter seus direitos modificados por deliberação coletiva, o que fragiliza os princípios da literalidade e da autonomia.

     

    Maiores Dificuldades na Intersecção:

     

    Cartularidade: A exigência de um suporte físico para os títulos é incompatível com o ambiente eletrônico e dinâmico do mercado atual.
    Literalidade e Autonomia: São enfraquecidas nos valores mobiliários, pois seus direitos dependem de instrumentos externos (ex.: estatutos, escrituras) e podem ser modificados por decisões coletivas (ex.: assembleias).

     

    A desmaterialização dos Títulos de Crédito

     

    Evolução e Adaptação: Títulos de Crédito nos Tempos Atuais

     

    O avanço tecnológico transformou profundamente a forma como os títulos de crédito são emitidos, circulam e produzem efeitos jurídicos. Hoje, fala-se em títulos desmaterializados ou imateriais, que existem em ambiente eletrônico, dispensando a necessidade de um suporte físico em papel.

     

    Essa transformação exige uma releitura do princípio da cartularidade, tradicionalmente considerado essencial à validade e eficácia do título de crédito. Se, por um lado, a cartularidade assegurava a autenticidade e a certeza do direito, por outro, tornou-se um entrave diante da agilidade e da celeridade demandadas pelas transações comerciais modernas.

     

    Nesse contexto, a regulamentação adequada da emissão e circulação de títulos eletrônicos tem papel crucial: preserva a essência jurídica dos títulos de crédito e, ao mesmo tempo, garante sua eficácia no cenário contemporâneo, marcado pela digitalização das relações econômicas.

     

    Desmaterialização e Imaterialização

     

    A adaptação dos títulos de crédito ao ambiente eletrônico pode ocorrer de duas formas distintas:

     

  • Desmaterialização: ocorre quando um título originalmente emitido em papel é convertido para o formato eletrônico, perdendo sua forma física, mas mantendo sua validade jurídica.
  • Imaterialização: verifica-se quando o título já nasce em ambiente eletrônico, sem nunca ter existido em papel, refletindo a evolução natural da prática comercial e das tecnologias digitais.
  •  

    Razões Práticas para a Desmaterialização

     

    A transição para títulos eletrônicos decorre de uma série de fatores práticos que beneficiam tanto credores quanto devedores, assim como o mercado financeiro em geral:

     

  • Redução de custos operacionais e de armazenamento, ao eliminar a necessidade de documentos físicos;
  • Aceleração da circulação de riquezas, favorecendo a liquidez e dinamismo econômico;
  • Superação da burocracia e da morosidade tradicional dos mercados, otimizando processos de emissão, registro e cobrança;
  • Maior segurança jurídica e operacional, com registros eletrônicos auditáveis, rastreáveis e protegidos contra extravio ou falsificação.
  •  

    Assim, a desmaterialização e a imaterialização dos títulos de crédito representam não apenas uma inovação tecnológica, mas também uma adaptação necessária para garantir eficiência, segurança e competitividade no mercado financeiro atual.

     

    Considerações finais

     

    A disciplina do direito cambiário ainda possui, na prática, ampla aplicabilidade e deve ser constantemente estudada e adaptada à realidade atual, marcada pela presença dos valores mobiliários, pelo avanço tecnológico e pela expansão do comércio eletrônico. Nesse novo contexto, o conceito tradicional de documento físico cede espaço ao documento eletrônico, viabilizado por mecanismos como a assinatura digital certificada. Tal transformação desafia o princípio clássico da cartularidade, impondo uma releitura que reconheça a validade dos títulos emitidos e circulados em meio digital. O direito brasileiro encontra-se, assim, em processo de adequação normativa e doutrinária, buscando conciliar tradição e inovação de modo a assegurar maior agilidade e segurança às transações comerciais contemporâneas.

    Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.


       

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