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A atividade empresarial, exercida por meio de sociedade empresária, tem como fim essencial a obtenção de lucros em benefício de seus sócios ou acionistas, sendo essa finalidade expressamente reconhecida no art. 2º da Lei n.º 6.404, de 15 de dezembro de 1976 (“Lei das Sociedades por Ações“), com relação a sociedades anônimas. Referida finalidade decorre da natureza da decisão dos investidores ao avaliar as alternativas de alocações de recursos. Tanto quanto maior for a perspectiva de rentabilidade (sopesados os riscos envolvidos) de determinado investimento, maior tende a ser a atração de investimentos para referida atividade.
É possível observar ao longo da evolução legislativa e das práticas empresariais movimentos no sentido de incentivar o desenvolvimento da atividade empresarial mediante melhor perspectiva de rentabilidade do investimento em sociedades empresárias. Um exemplo foi a convenção do exercício social e o princípio da autonomia do exercício social, que introduziu a periodicidade anual da distribuição de lucros e substituiu o regramento então existente em que o investidor só auferia o resultado quando da liquidação da companhia.
Os dividendos semestrais (tratados como dividendos definitivos e não como antecipação dos dividendos anuais) foram introduzidos no Decreto 2.627/1940, seguindo a mesma lógica de tornar o investimento em companhias mais atraente. Finalmente, a redação do art. 204 e parágrafos seguintes da Lei das Sociedades por Ações consagra o conceito de dividendos intermediários atualmente vigentes.
No contexto das sociedades por ações brasileiras, o pagamento de dividendos sempre ocupou papel central na relação entre companhia e seus acionistas. Contudo, a disciplina legal do pagamento de dividendos intermediários, especialmente à luz do art. 204 da Lei das Sociedades por Ações, suscita importantes reflexões jurídicas e práticas que merecem atenção por parte de administradores, conselheiros e assessores legais.
Este artigo busca esclarecer e comentar os pressupostos legais para a distribuição de dividendos intermediários.
O art. 204 da Lei das Sociedades por Ações quase que repete a redação do Decreto 2.627/1940 e apresenta o sistema da Lei das Sociedades por Ações para a distribuição de dividendos intermediários, nos termos a seguir:
Art. 204. A companhia que, por força de lei ou de disposição estatutária, levantar balanço semestral, poderá declarar, por deliberação dos órgãos de administração, se autorizados pelo estatuto, dividendo à conta do lucro apurado nesse balanço.
1º A companhia poderá, nos termos de disposição estatutária, levantar balanço e distribuir dividendos em períodos menores, desde que o total dos dividendos pagos em cada semestre do exercício social não exceda o montante das reservas de capital de que trata o § 1º do artigo 182.
2º O estatuto poderá autorizar os órgãos de administração a declarar dividendos intermediários, à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.
Referido sistema se divide em três pilares:
a) A autorização contida no caput para que a companhia que por força de lei ou disposição estatutária levante balanço semestral, pague dividendos à conta de lucro apurado em referido semestre;
b) A autorização para que a companhia levante balanços com base em períodos inferiores a seis meses e distribua dividendos com base em referido balanço – sempre limitado ao montante de reservas de capital existentes (§ 1º do art. 204); e
c) A autorização para que a companhia declare dividendos à conta de lucros acumulados ou de reservas de lucros existentes no último balanço anual ou semestral (§ 2º do art. 204).
Em comum entre as hipóteses de dividendo intermediário previstas no art. 204 e parágrafos está o requisito de autorização estatutária tanto para levantar o balanço (no caso do caput e §1º) quanto de declarar a distribuição dos dividendos intermediários.
É facultado ao acionista incluir autorização no estatuto social para que a administração delibere pela aprovação dos dividendos intermediários. Na prática societária atual é usual que companhias que contenham a autorização estatutária para distribuição de dividendos intermediários atribuam ao conselho de administração a competência para tanto.
O levantamento e publicação de balanço também é requisito obrigatório, sendo ele (i) semestral (caput); (ii) com base em períodos inferiores (§1º); e (iii) já levantado e aprovado em exercícios anteriores (§3º).
A limitação da reserva de capital aplicável aos dividendos intermediários do §1º do art. 204 representa um cuidado especial do legislador com os lucros apurados com base em balanços referentes a períodos inferiores a seis meses. Referidos lucros seriam “não maduros” (como mencionado pela doutrina) haja vista que se referem a um corte temporal considerado curto – de modo que o resultado em referido período pode divergir significativamente do desempenho do exercício social.
A utilização da reserva de capital tem aplicação bastante restrita (conforme previsto no art. 200 da Lei das Sociedades por Ações), não sendo permitida a distribuição de dividendos com base em referida reserva (exceto pela hipótese do inciso V do art. 200). Constitui, portanto, um “colchão” que faça frente a eventuais prejuízos no restante do exercício social.
A tabela comparativa abaixo ilustra as diferenças entre as hipóteses de dividendo intermediário previstas no art. 204 e parágrafos.
Balanço | Exercício | Lucro | Competência | Previsão no ES | Limitado à Reserva de Capital | |
---|---|---|---|---|---|---|
Art. 204, caput |
Semestral (balanço específico) |
Corrente |
Lucro corrente (maduro) |
AG ou administração se tiver autorização expressa no ES |
Obrigatória (levantar balanço semestral + declarar distribuição) |
Não |
Art. 204 § 1º |
Semestral | Corrente |
Lucro corrente (maduro) |
AG ou administração se tiver autorização expressa no ES |
Facultativa | Sim |
Art. 204 § 2º |
Anual ou semestral (balanço já levantado) |
Último balanço levantado |
Reservas de Lucro / Lucros acumulados (maduro) |
AG ou administração se tiver autorização expressa no ES |
Obrigatória (declarar distribuição) |
Não |
Os dividendos intermediários distribuídos são definitivos e não serão considerados adiantamento do dividendo anual. Com isso, uma vez distribuídos os dividendos intermediários não será obrigado o acionista de boa-fé (art. 201, §2º) a restituí-lo, ainda que a companhia tenha prejuízos no restante do exercício social.
Por outro lado, §1º do art. 201 da Lei das Sociedades por Ações proíbe expressamente o pagamento de dividendos sem o levantamento de balanços ou em desacordo com referidos balanços. O descumprimento dessa regra acarreta responsabilidade solidária dos administradores e membros do conselho fiscal, inclusive com obrigação de reposição ao caixa da companhia. Na mesma linha, o art. 177 do Código Penal prevê sanções criminais ao administrador que distribuir lucros com base em balanço inexistente, falso ou em desacordo com a realidade contábil da empresa.
A análise dos dividendos intermediários exige abordagem técnica e cautelosa. Embora a LSA forneça arcabouço normativo objetivo, a interpretação de seus dispositivos — especialmente no que se refere aos limites da distribuição com base em balanços inferiores ao anual — ainda encontra divergência entre reguladores e estudiosos. Convém acompanhar de perto a evolução de entendimento do Colegiado da CVM sobre o tema – tão relevante para o sistema de destinação de lucros e resultados da Lei das Sociedades por Ações.
Artigo elaborado por Lucas Manzoli de Almeida, advogado nas áreas de Finanças Estruturadas e Securitização, Fusões e Aquisições, Mercado de Capitais, Private Equity e Venture Capital e Regulatório de Companhias Abertas e Societário.
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Quais as ferramentas disponíveis na Lei das S.A. para pagamento de dividendos intermediários?
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