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Zona Franca de Manaus e os Aspectos da Reforma Tributária

Zona Franca de Manaus e os Aspectos da Reforma Tributária

A Zona Franca de Manaus (ZFM) é um dos principais instrumentos de desenvolvimento regional do país, sustentada por incentivos fiscais que buscam compensar os custos logísticos da Amazônia, atrair investimentos e preservar a floresta. A recente Reforma Tributária, regulamentada pela Lei Complementar n.º 214/2025, trouxe mudanças significativas na tributação sobre o consumo, substituindo Pis/Cofins pela CBS e ICMS/ISS pelo IBS, o que gerou preocupações quanto à manutenção da competitividade da ZFM.

 

Para mitigar esses riscos, foram criados mecanismos específicos, como créditos presumidos de IBS e CBS, a preservação do IPI com tratamento diferenciado e a instituição de fundos destinados à diversificação econômica e ao desenvolvimento regional. Esses pontos reforçam a necessidade de análise jurídica detalhada sobre o futuro do modelo, em especial quanto à sua adaptação ao novo sistema tributário.

 

Este artigo examina a evolução histórica da ZFM, seus impactos socioeconômicos, os benefícios fiscais que sustentam o regime e os principais reflexos da Reforma Tributária, com destaque para os desafios e perspectivas do modelo até 2073.

 

Contextualização histórica

 

A trajetória da ZFM remonta a iniciativas de valorização econômica da Amazônia desde a Constituição de 1946, que determinou a criação de fundos de investimento para a região. Posteriormente, o Decreto-Lei n.º 288/1967 representou marco decisivo ao estabelecer incentivos fiscais robustos, atraindo investimentos industriais e consolidando a Zona Franca como vetor de ocupação econômica e social. A partir de então, órgãos como a SUDAM e o Banco da Amazônia reforçaram a política de integração regional.

 

Séc. XIX-XX
Ciclo da Borracha
Auge e declínio

1946-1953
Primeiras Iniciativas
Constituição e SPVEA

1951-1957
Criação da ZFM
Projeto e Lei

1960
Regulamentação
Primeiros passos

1967
Marco Decisivo
Decreto-Lei n.º 288

 

  • Ciclo da Borracha (final do séc. XIX – início do XX)
    O ciclo da borracha gerou riqueza e ocupação na Amazônia, mas sua queda conduziu a uma longa estagnação econômica na região.
  • Constituição de 1946
    Foi criado um fundo obrigatório de investimentos na Amazônia, equivalente a 3% da receita da União, Estados e Municípios, destinado ao Plano de Valorização Econômica da Amazônia. Esse plano foi estruturado pela Lei n.º 1.806/1953, que instituiu a SPVEA – Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (1953), a primeira agência de desenvolvimento da região, embora seus resultados tenham sido limitados.
  • Projeto de Lei n.º 1.310/1951
    O projeto propôs inicialmente o “Porto Franco de Manaus”, posteriormente transformado na Zona Franca de Manaus (Lei n.º 3.173/1957, sancionada pelo presidente Juscelino Kubitschek), no âmbito do Plano de Metas de industrialização do governo. Entretanto, sua regulamentação inicial (1960) teve efeito restrito, devido à ausência de incentivos fiscais robustos e infraestrutura adequada.
  • Década de 1960 (JK e governo militar) – Decreto-Lei n.º 288/1967
    Marcou um ponto decisivo: a ZFM foi reformulada como área de livre comércio com fortes incentivos fiscais, voltada a atrair indústrias, comércio e agropecuária para a Amazônia Ocidental. Nesse mesmo período, foram criadas a SUDAM, o Banco da Amazônia e o Plano de Integração Nacional, além de investimentos em rodovias (Belém-Brasília e Transamazônica), energia (hidrelétricas) e mineração.
  •  

    O que é a Zona Franca de Manaus?

     

    A Zona Franca de Manaus é um modelo de desenvolvimento econômico regional que visa promover a integração nacional, o desenvolvimento da região amazônica e a preservação ambiental. Criada pelo Decreto-Lei n.º 288/1967, é uma área de livre comércio com incentivos fiscais e benefícios especiais.

     

    Cronologia da ZFM

    1967
    Criação
    DL n.º 288/67

    1988
    Constitucionalização
    Art. 40 do ADCT (CF/88)

    2014
    Prorrogação
    EC 83/2014

    2073
    Vigência
    EC 83/2014

     

    Objetivo

     

    Os incentivos e benefícios fiscais concedidos às empresas da ZFM têm como finalidade:

  • Impulsionar o desenvolvimento regional da Amazônia;
  • Estimular a ocupação da região;
  • Reduzir desigualdades sociais em relação às regiões mais centrais do país.
  •  

    Impactos socioeconômicos e ambientais

     

    A ZFM abriga atualmente cerca de 500 empresas, nacionais e multinacionais, incluindo grandes indústrias como Honda, Samsung e Coca-Cola. Em maio de 2025, o polo industrial contabilizava cerca de 132.886 empregos formais diretos, além de milhares de postos indiretos, impulsionando a arrecadação previdenciária e fortalecendo a economia regional.

     

    No aspecto ambiental, a concentração das atividades industriais na área delimitada contribui para reduzir a pressão sobre a Floresta Amazônica, reforçando o caráter sustentável do modelo.

     

    Zona Franca de Manaus versus Áreas de Livre Comércio

     

    A Zona Franca de Manaus e as Áreas de Livre Comércio compartilham a finalidade de fomentar o desenvolvimento econômico da região da Amazônia. Contudo, diferem substancialmente em abrangência, amplitude de incentivos e objetivos estratégicos.

     

    A ZFM se configura como um modelo amplo e complexo, voltado ao desenvolvimento industrial, comercial e de serviços, com incentivos fiscais em múltiplas esferas: federal (IPI, II, Pis/Cofins), estadual (ICMS) e municipal (ISS). Seu foco recai sobre a atração de grandes investimentos, a geração de empregos e a consolidação de um polo industrial diversificado e competitivo.

     

    As Áreas de Livre Comércio (ALCs), por sua vez, possuem escopo mais restrito, voltado ao comércio e ao abastecimento local em cidades de fronteira da Amazônia Ocidental e em Macapá/Santana. Os benefícios concentram-se em incentivos de II e IPI, com objetivo de estimular a abertura de empresas, fortalecer o setor comercial local e criar oportunidades de emprego em regiões específicas de fronteira.

     

    Características ZFM ALCs
    Abrangência Modelo amplo e complexo Abrangência restrita
    Incentivos fiscais Diversos tributos: federais (IPI, II, PIS/COFINS), estaduais (ICMS) e municipais (ISS) Benefícios limitados (II e IPI)
    Objetivo principal Desenvolvimento industrial, comercial e de serviços Comércio e abastecimento local
    Foco Atração de grandes investimentos e geração de empregos Desenvolvimento de cidades específicas em regiões de fronteira

     

    Em síntese, enquanto a ZFM promove um modelo abrangente, diversificado e voltado à integração industrial e nacional, as ALCs possuem natureza mais localizada, com função essencialmente comercial e de abastecimento regional.

     

    Benefícios fiscais da ZFM

     

  • IPI: isenção ou redução;
  • II: isenção na importação;
  • Pis/Cofins: créditos e desoneração (alíquota zero/suspensão);
  • ICMS: isenção ou redução por convênios estaduais;
  • ISS: benefícios municipais específicos.
  •  

    Críticas ao modelo

     

    Embora a Zona Franca de Manaus tenha desempenhado papel central no desenvolvimento regional e na integração da Amazônia, o modelo também é alvo de críticas consistentes, especialmente sob os prismas tributário, econômico e jurídico.

     

  • Alto custo da renúncia fiscal
    O regime implicaria significativa renúncia de receita para a União, alcançando dezenas de bilhões de reais anuais, o que gera debate sobre sua proporcionalidade frente aos benefícios concretos.
  • Concentração setorial
    A produção industrial e os incentivos permanecem concentrados em segmentos como eletroeletrônicos, motocicletas e bebidas, limitando a diversificação econômica.
  • Dependência estrutural
    A forte dependência de incentivos fiscais e de poucos setores cria o risco de comprometer a autonomia econômica da região e dificulta a criação de novas cadeias produtivas.
  • Insegurança jurídica
    A constante judicialização do modelo, inclusive no STF, compromete a previsibilidade e desestimula investimentos.
  •  

    Vantagens Críticas
    Geração de mais de 130 mil empregos formais Alto custo da renúncia fiscal para a União
    Preservação indireta da Floresta Amazônica Concentração em poucos setores produtivos
    Atração de investimentos nacionais e estrangeiros Dependência estrutural de incentivos fiscais
    Desenvolvimento regional e integração nacional Insegurança jurídica pela judicialização constante

     

    A Reforma Tributária e seus reflexos

     

    A Reforma extinguiu Pis, Cofins, ICMS e ISS, substituídos por CBS e IBS. Essa alteração gerou preocupações quanto à atratividade da ZFM. Para mitigar os riscos e preservar o modelo da ZFM, foram criados mecanismos específicos:

     

  • créditos presumidos de IBS e CBS;
  • preservação do IPI com regime diferenciado;
  • Fundo de Sustentabilidade e Diversificação Econômica do Amazonas;
  • Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR).
  •  

    Desafios e perspectivas

     

    Apesar da prorrogação até 2073, a ZFM enfrenta desafios relevantes:

  • constante pressão pela revisão do modelo;
  • risco de judicialização recorrente;
  • necessidade de diversificação econômica;
  • adaptação ao novo sistema tributário nacional.
  •  

    A sustentabilidade do modelo dependerá do equilíbrio entre segurança jurídica, manutenção de incentivos fiscais e diversificação econômica, garantindo competitividade em longo prazo.

     

    Conclusão

     

    A Zona Franca de Manaus se reafirma como instrumento central de política de desenvolvimento regional, conciliando estímulo econômico, preservação ambiental e integração nacional. A Reforma Tributária, ao mesmo tempo em que representa um desafio, cria oportunidade de modernização e diversificação, bem como de preservação do modelo. O equilíbrio entre a manutenção dos incentivos fiscais, a segurança jurídica e a busca por novos vetores de desenvolvimento sustentável serão determinantes para a longevidade e relevância da ZFM até 2073 e além.

    Artigo elaborado por Clarice Dolabella Mangerotti, advogada na área de Tributário.

    Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.


       

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