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O preço nas operações de M&A e seus impactos tributários

O preço nas operações de M&A e seus impactos tributários

O mercado de fusões e aquisições (M&A) continua a ocupar papel central na reorganização e expansão de sociedades no Brasil. Apenas no primeiro quadrimestre de 2025, as transações já movimentaram mais de R$ 56 bilhões, segundo dados de mercado, o que revela a relevância dessas operações no cenário econômico. Mais do que uma questão de governança ou de estratégia empresarial, o preço no M&A é elemento determinante para os impactos tributários das operações, exigindo análise detalhada da legislação e da jurisprudência, bem como dos aspectos fáticos da operação.

 

Este artigo busca refletir sobre como o preço impacta a tributação em operações de M&A, destacando a legislação aplicável, as alíquotas incidentes com base na legislação atualmente vigente, o posicionamento das autoridades fiscais e do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF“) e os impactos dos mecanismos de pagamento do preço, como earn-out, ajustes de preço, holdback e escrow account.

 

Tributação do ganho de capital: pessoas físicas x pessoas jurídicas

 

Ao se falar de tributação do preço, o ponto de partida é a definição do ganho de capital, que é a diferença positiva entre o valor de alienação e o custo de aquisição do ativo que está sendo vendido. No caso de participação societária, por exemplo, é a diferença positiva entre o preço definido no M&A e o valor registrado daquela participação societária – o que se identifica na declaração de imposto de renda da pessoa física e na contabilidade das sociedades.

 

  • Pessoa física: Nos termos do art. 21 da Lei n.º 8.981/95, o ganho de capital é tributado pelo imposto de renda com base nas alíquotas progressivas para as pessoas físicas (“IRPF“):
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  • Aplica-se a alíquota 15% nos ganhos de até R$ 5 milhões;
  • A parcela de ganho superior a R$ 5 milhões e inferior a R$ 10 milhões, aplica-se a alíquota de 17,5%;
  • A parcela de ganho superior a R$ 10 milhões e inferior a R$ 30 milhões, aplica-se a alíquota de 20%;
  • Já em relação à parcela do ganho de capital superior a R$ 30 milhões, a alíquota de 22,5% é aplicável.
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  • Pessoa jurídica: O Decreto n.º 9.580/18 (Regulamento de Imposto de Renda) que regula o ganho de capital será tributado pelas sociedades pelo imposto de renda das pessoas jurídicas (“IRPJ“) e pela contribuição social sobre o lucro líquido (“CSLL“) à alíquota combinada de 34%. No lucro presumido, o ganho de capital é tratado como receita não abrangida pelo percentual de presunção, já no lucro real, é computado diretamente no resultado.
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    Apesar das diferenças destacadas acima, a escolha de alienar a participação societária na pessoa física ou jurídica não é tão óbvia. Embora a alíquota máxima do IRPF seja inferior aos 34% aplicáveis às pessoas jurídicas, a venda por meio de pessoa física ou jurídica poderá ser influenciada por fatores como o custo do ativo e a existência de prejuízos fiscais na sociedade que possam ser abatidos do resultado.

     

    Pagamento em dinheiro ou ações: reflexos tributários

     

    O pagamento em dinheiro é o modelo mais simples de preço, mas impõe alto impacto ao fluxo de caixa do comprador.

     

    Já no pagamento em ações, esse fluxo de caixa é menos prejudicado, mas surgem questões mais complexas sob a ótica tributária – se há efetivo ganho tributável ou não, visto que se trata de mera troca de ativos. Nesse sentido, a Receita Federal, na Solução de Consulta COSIT n.º 224/14, entendeu que a incorporação de ações configura alienação, sujeitando o acionista pessoa física à apuração de ganho de capital quando o valor da transferência superar o custo declarado.

     

    O CARF, por sua vez, tem reafirmado a tributação em casos de incorporações e permutas de participações societárias, como no Acórdão n.º 1302-007.219, em que reconheceu que valores superiores ao contábil geram ganho de capital tributável. Ou seja, por mais que não se tenha pagamento em dinheiro, como é o caso da incorporação de ações, a operação será passível de tributação em razão da apuração de ganho de capital.

     

    Mecanismos de pagamento e o papel das cláusulas suspensivas e resolutivas

     

    As operações de M&A raramente se resumem a um preço fixo e pago integralmente no closing. Normalmente, as partes pactuam mecanismos de ajuste ou diferimento do preço, com base em contingências ou metas de desempenho futuro da empresa adquirida. É aqui que entram os mecanismos de ajuste de preço como earn-out, ajustes de preço, holdback e escrow account, todos com importantes consequências tributárias.

     

    Apesar de, societariamente, os mecanismos de preço terem complexidade contratual, no âmbito tributário, a chave para definir o momento da tributação está no Código Tributário Nacional (“CTN“), especialmente nos arts. 116 e 117:

     

  • Pelo art. 116, II, do CTN, considera-se ocorrido o fato gerador quando a situação jurídica esteja definitivamente constituída.
  • O art. 117 do CTN distingue (i) cláusula suspensiva, em que os efeitos só se produzem com o implemento da condição futura e incerta e (ii) cláusula resolutiva, em que os efeitos do negócio jurídico são imediatos, mas podem ser desfeitos caso a condição ocorra.
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    Essa distinção é essencial para definir se o tributo deve ser recolhido de imediato ou apenas quando implementada a condição. Isso impacta diretamente o fluxo de caixa da operação, especialmente para fins de recolhimento tributário para os vendedores, que poderão estar sujeitos ao recolhimento de tributos mesmo sem o recebimento (por exemplo, em uma situação de venda por pessoa jurídica optante pelo Lucro Real, em que há uma cláusula resolutiva).

     

    Earn-out

     

    O earn-out corresponde a uma parcela do preço condicionada ao atingimento de metas de desempenho da empresa após a aquisição. Usualmente, o earn-out é tratado como uma cláusula suspensiva, em que um pagamento adicional é feito em caso de cumprimento de metas. Assim, após a satisfação da condição (cumprimento das metas), é que o fato gerador se concretiza, possibilitando a exigência do recolhimento tributário.

     

    Entretanto, também é possível estruturar o earn-out por meio de cláusula resolutiva. Nessa hipótese, o pagamento do preço adicional está garantido, salvo se não houver o cumprimento das metas. Assim, o fato gerador ocorre com a assinatura do documento, atraindo os impactos tributários mesmo com a possibilidade de não cumprimento das metas.

     

    Na prática, o tratamento suspensivo tende a ser mais benéfico para o vendedor, pois posterga o recolhimento do imposto.

     

    Ajuste de preço, holdback e escrow account

     

    O ajuste de preço visa corrigir o valor da operação em função de indicadores financeiros apurados após a data-base do contrato. Em regra, o objetivo do ajuste de preço é adequar o preço da operação com base em informações que não estavam em poder das partes no momento da assinatura dos documentos (por exemplo, o balanço da sociedade naquela data). Portanto, regula situações que podem ser satisfeitas ou não, a depender do cenário a ser mapeado.

     

    Já o holdback e a escrow account são mecanismos de proteção contra possíveis contingências da operação de M&A. No holdback, o próprio comprador retém parte do preço, reduzindo o valor que é pago ao vendedor, já na escrow account, esse montante é depositado em uma conta, estando em poder de uma instituição financeira, com gestão conjunta pelas partes e de forma regulada no contrato. Assim, também é necessário que certas condições sejam satisfeitas para que se tenha acesso aos recursos.

     

    Consequentemente, o ajuste de preço, o holdback e manutenção de recursos em escrow account tendem a ser formalizados por meio de cláusulas suspensivas, que só serão implementadas se satisfeitas as condições definidas no contrato.

     

    Sobre esse tema, a jurisprudência não muitos precedentes resguardando o assunto, contudo, vale ressaltar o entendimento do Acórdão n.º 2402.006.601 proferido em 2018 pelo CARF, que concluiu que valores em escrow account só geram tributação quando efetivamente se tornam disponíveis ao vendedor, reconhecendo a natureza suspensiva da cláusula.

     

    Pós-closing: ágio e ganho por compra vantajosa

     

    Ultrapassados alguns pontos sobre os aspectos tributários do preço para os vendedores, também é interessante pensar sobre esses efeitos para os compradores e como a aquisição das participações societárias podem gerar efeitos fiscais.

     

    No pós-closing, um dos principais impactos tributários envolve o ágio (goodwill), que é o sobrepreço assumido pelo comprador, em comparação ao valor contábil da participação societária (mensurado com base no patrimônio líquido) e a mais ou menos valia de ativos. A Lei n.º 12.973/14 permite a amortização fiscal do ágio à razão de 1/60 por mês, desde que atendidos requisitos como a confusão patrimonial e a elaboração de laudo de avaliação que suporte o valor amortizado fiscalmente.

     

    Por outro lado, também deve se considerar os efeitos do ganho por compra vantajosa, quando o preço pago é inferior ao valor contábil (também mensurado com base no patrimônio líquido) e a mais ou menos valia de ativos, uma vez que essa diferença deve ser adicionada à base de cálculo do IRPJ e da CSLL também à proporção mínima de 1/60 por mês, aumentando a tributação.

     

    Conclusão

     

    O preço em operações de M&A é muito mais do que um elemento de negociação entre comprador e vendedor, tendo efeitos diretos no recolhimento tributário das partes em razão da operação firmada.

     

    A legislação brasileira prevê alíquotas de imposto de renda que podem chegar a 22,5% para pessoas físicas e de IRPJ e CSLL de 34% para pessoas jurídicas. O recolhimento tributário não depende apenas das alíquotas e dos tributos aplicáveis, mas também de particularidades da operação, como pagamento em ações (e não apenas em dinheiro) e mecanismos de ajuste de preço, como escrow account, ajuste de preço, holdback e earn-out.

     

    A correta caracterização das cláusulas como suspensivas ou resolutivas é decisiva para definir se o tributo deve ser recolhido imediatamente ou apenas quando implementada determinada condição.

     

    Por isso, em operações de M&A, é indispensável que compradores e vendedores contem com assessoria tributária especializada desde a fase de negociação, a fim de estruturar a operação de maneira eficiente, reduzir riscos de autuação e assegurar segurança jurídica no longo prazo.

     

     

    Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.


       

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