São Paulo
Av. Brig. Faria Lima 3064, 14º Andar
01451-000 - São Paulo - SP - Brasil
Rio de Janeiro
Av. Rio Branco 181, 27º Andar
20040-918 - Rio de Janeiro - RJ - Brasil
A disciplina da fraude contra credores e da fraude à execução reflete a necessidade de equilibrar a autonomia privada na disposição de bens com a proteção dos credores e a efetividade da jurisdição. Ambas as figuras possuem raízes no princípio da responsabilidade patrimonial, segundo o qual o devedor responde com a integralidade de seus bens presentes e futuros para o adimplemento de suas obrigações (art. 789 do Código Civil), respondendo ainda pela reparação de danos causados a terceiros, solidariamente quando houver mais de um responsável (art. 942 do Código Civil).
Este artigo visa esclarecer as distinções entre fraude à execução e fraude contra credores, destacando seus fundamentos legais, requisitos e efeitos práticos, oferecendo uma visão integrada sobre a proteção dos credores e a efetividade da jurisdição.
A fraude contra credores configura-se quando o devedor insolvente, ou que se torne insolvente em razão do ato, realiza negócios que alteram a situação patrimonial do devedor em prejuízo de credores preexistentes. Em hipóteses excepcionais, a jurisprudência admite o reconhecimento de fraude contra credores para credores futuros.
A via adequada de questionamento é a ação pauliana, proposta por credores quirografários ou por credores reais cuja garantia tenha se tornado insuficiente. Seus efeitos recaem sobre devedores e terceiros envolvidos nos atos fraudulentos, resultando em anulação ou ineficácia relativa dos negócios, a depender do entendimento da jurisprudência.
A fraude contra credores exige a presença cumulativa de quatro elementos:
Alguns exemplos de ações fraudulentas que podem ser objeto de ação paulina são: distribuição de lucros em momento de insolvência, alienação de bens por preço vil ou até mesmo de mercado, pagamento de dívidas não vencidas, renúncia de herança, integralização de bens em sociedades do devedor, operações societárias fraudulentas (cisão, fusão, incorporação), criação de empresas de fachada, remessa de valores ao exterior, divórcios simulados com transferência de bens, além de doações ou remissões de dívidas.
O art. 164 do Código Civil ressalva, entretanto, que negócios ordinários indispensáveis à manutenção da atividade empresarial ou à subsistência do devedor e de sua família presumem-se de boa-fé.
O STJ tem reiterado que a fraude contra credores demanda a comprovação dos requisitos acima indicados, reconhecendo como consequência a ineficácia do negócio jurídico em relação ao credor prejudicado (AgInt no AREsp 2.088.072/SP, 2023).
A fraude à execução possui natureza distinta, eminentemente processual. Consiste na prática de atos de disposição ou oneração de bens durante a tramitação de processo judicial, com o intuito de frustrar a satisfação do crédito. Conforme leciona Ernane Fidélis dos Santos, trata-se de fraude “contra a própria jurisdição”, diferindo da fraude contra credores, que é voltada contra o direito material do credor.
O art. 792 do CPC elenca hipóteses típicas de fraude à execução, como:
A fraude à execução pode ser arguida no próprio processo executivo ou em embargos de terceiro. Não há prazo decadencial, e o resultado é sempre a ineficácia relativa do ato em relação ao credor exequente.
O reconhecimento da fraude à execução depende da prova da má-fé do terceiro adquirente, exceto quando houver registro da penhora ou averbação da existência de ação na matrícula do imóvel, hipótese em que a má-fé é presumida (Súmula 375 do STJ).
O STJ, contudo, tem admitido flexibilizações, especialmente em doações entre ascendentes e descendentes com nítido propósito de blindagem patrimonial, dispensando-se o registro da penhora (EREsp 1.896.456/SP, 2025).
Além da relativização da Súmula 375, a Corte tem reconhecido que alienações sucessivas não geram automaticamente a ineficácia em relação a adquirentes posteriores, exigindo-se prova de sua má-fé (REsp 1.863.999/SP, 2021). Da mesma forma, o STJ firmou que a fraude à execução não tem o condão de afastar a impenhorabilidade do bem de família, ainda que doado em contexto fraudulento (AgInt no AREsp 2.141.032/GO, 2023).
| Fraude contra credores | Fraude à execução | |
|---|---|---|
| Remédio judicial | Ação Pauliana – prazo decadencial de 4 anos | Reconhecimento em execução ou embargos de terceiro – sem prazo |
| Prejuízo | Para o credor | Para o credor e prestação jurisdicional |
| Natureza | Material | Processual |
| Consequência | Anulabilidade ou ineficácia relativa | Ineficácia relativa |
| Requisitos obrigatórios | Anterioridade do crédito Insolvência gerada ou agravada pelo ato fraudulento Prejuízo aos credores Ciência do terceiro da situação de insolvência |
Pendência de ação fundada em direito real ou reipersecutória ou litispendência Ciência do terceiro da pendência de ação ou constrição judicial (presumida caso haja averbação no registro do bem) A depender do caso, insolvência gerada ou agravada pelo ato fraudulento |
Este artigo foi elaborado por Mariana Coelho Richardson, advogada nas áreas de Contencioso Cível e Arbitragem, Recuperações Judiciais e Extrajudiciais e Falências.
Se você tiver alguma dúvida ou quiser continuar a conversa acerca de qualquer dos aspectos aqui debatidos, entre em contato conosco por meio do e-mail comunicacao@pinheiroguimaraes.com.br.
Leia também:
Confira mais artigos e notícias, clicando aqui.
STJ: Matéria de defesa não alegada em Embargos à Execução sujeita-se à preclusão
Cláusula Penal: Natureza, Modalidades, Funções, Espécies, Redução e Indenização Suplementar
Fraude à execução e fraude contra credores: distinções, fundamentos e implicações práticas
Pinheiro Guimarães Anuncia Sete Novos Sócios, Fortalecendo Áreas Estratégicas
Pinheiro Guimarães participou do II Simpósio Tributaristas Cariocas
CVM divulga orientações técnicas sobre a Resolução 175 aplicável a FIDC, FII e FIAGRO
Retomada de Investimentos em Startups: Tendências de Mercado e Aspectos Gerais de Venture Capital