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A autonomia da vontade é um dogma — quase sagrado — no Direito. Esse conceito consiste essencialmente no espaço deixado às vontades das pessoas para assumir ou não uma obrigação, assinar ou não um contrato. Mas uma vez criado o laço contratual entre as partes, o resultado dessa vinculação — a chamada força obrigatória dos contratos — é o dever de cumprir determinada prestação. Em termos simples, trata-se da obrigação de honrar o que foi pactuado.
Essa obrigação de cumprir, porém, limita-se às partes do contrato. Um terceiro não pode ser obrigado a cumprir um contrato alheio sem seu consentimento. Esse princípio básico, conhecido como relatividade dos contratos, foi codificado pela primeira vez no Código Civil francês, que dispõe: “As convenções somente têm efeitos entre as partes contratantes, elas não prejudicam terceiros, somente os beneficiando no caso previsto no artigo 1121 [estipulação em favor de terceiro]”.
Pela literalidade desse dispositivo francês, um terceiro que viesse a auxiliar uma das partes a descumprir um contrato não poderia ser responsabilizado, já que os contratos alheios não poderiam prejudicá-lo. Foi necessário mais de um século de debates nas cortes francesas — e quase dois séculos nas brasileiras — para que se admitisse que um terceiro não está sempre imune e, em determinadas condições, pode ser responsabilizado pelo descumprimento de um contrato alheio.
Hoje essa hipótese de responsabilidade tem nome e sobrenome: responsabilidade civil do terceiro cúmplice (ou do terceiro interferente). O exemplo clássico de interferência é o da dupla alienação do mesmo bem. Um vendedor transfere o mesmo bem a dois compradores diferentes, mas o segundo comprador sabe da existência da primeira alienação e, ainda assim, decide celebrar o contrato. Esse segundo comprador, que é terceiro em relação à primeira venda, torna-se cúmplice da violação do contrato inicial e, por isso, pode ser responsabilizado junto com o vendedor.
Essa hipótese não se limita à dupla alienação. No âmbito corporativo, um dos casos mais emblemáticos de interferência ocorreu nos Estados Unidos. Uma empresa havia firmado com outra um acordo preliminar para adquirir 40% das ações desta. Uma terceira companhia, ciente desse acordo, interferiu na negociação, induzindo a segunda a romper o compromisso com a primeira e, em seguida, celebrando com ela a venda das ações. O júri americano considerou a terceira empresa culpada por essa interferência no contrato alheio e a condenou ao pagamento de indenização superior a 11 bilhões de dólares.
O que essas duas situações têm em comum? Antes de tudo, o conhecimento do terceiro acerca do contrato alheio. Essa é a chave que abre a porta da responsabilidade do terceiro cúmplice. Mas o conhecimento, por si só, não basta. É necessário que o contrato firmado com o terceiro seja incompatível com o anterior. Se forem compatíveis, não há interferência. Além disso, o contrato interferido deve ser existente, válido e eficaz. Por fim, a interferência ilícita ocorre quando o terceiro, ciente da relação alheia, auxilia o devedor a descumprir suas obrigações com o credor. Se um terceiro auxilia uma parte a exercer um direito legítimo previsto no contrato — por exemplo, ajudar o devedor a denunciar um contrato livremente denunciável —, não há responsabilidade, nem para a parte, nem para o terceiro.
Assim, chegamos à questão que nos propusemos: quando um terceiro pode ser responsabilizado pelo rompimento de um contrato alheio? A resposta é: quando o terceiro, ciente da relação contratual alheia, auxilia, instiga ou interfere para que uma das partes descumpra um contrato válido, seja em benefício do terceiro ou do devedor, ou, ainda, em malefício do credor.
Artigo elaborado por Daniel Rodrigo Ito Shingai, advogado na área de Contencioso Cível e Arbitragem.
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Quando um terceiro pode ser responsabilizado pelo rompimento de um contrato alheio?
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